Ética Perguntas e Respostas

 

 

 

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Ética Perguntas e Respostas

Ética

Ethos: ética, em grego; designa a morada humana.

O ser humano separa uma parte do mundo para, moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protector e permanente. A ética, como morada humana, não é algo pronto e construído de uma só vez. O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para si. Ético signi­fica, portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente para que seja uma moradia saudável: materialmente sustentável, psicologica­mente integrada e espiritualmente fecunda.

Leonardo Boff [BOFF97]

Perguntas e Respostas

 

O que é a ética?

A ética não se confunde com a moral. A moral é a regulação dos valores e comportamentos con­si­derados legítimos por uma determinada sociedade, um povo, uma religião, uma certa tradição cultu­ral... Há morais específicas, também, em grupos sociais mais restritos: uma instituição, um partido político... Há, portanto, muitas e diversas morais. Isto significa que uma moral é um fenómeno social particular que não tem compromisso com a universalidade, com o que é válido, de direito e justo para todos os homens. Excepto quando atacada: justifica-se dizendo-se univer­sal, suposta­mente válida para todos. Mas, então, todas e quaisquer normas morais são legítimas? Não deveria existir alguma forma de julgamento da validade das morais? Existe, e essa forma é o que designa­mos por ética.
A ética é uma reflexão crítica sobre a moralidade. Mas ela não é puramente teórica. A ética é um conjunto de princípios e disposições voltados para a acção, historicamente produzidos, cujo objectivo é regular as acções humanas. A ética existe como uma referência para os seres huma­nos em sociedade, de modo a que a sociedade possa tornar-se cada vez mais humana. A ética pode e deve ser incorporada pelos indivíduos, sob a forma de uma atitude perante vida quoti­diana, capaz de julgar criticamente os apelos acrílicos da moral vigente. Mas a ética (tal como a moral) não é um conjunto de verdades fixas, imutáveis. A ética move-se, amplia-se e adensa-se historicamente. Para entendermos como isso acontece na História da humanidade, basta lem­brarmo-nos que, um dia, a escravidão foi considerada “natural”. Entre a moral e a ética há uma tensão permanente: a acção moral procura uma compreensão e uma justificação crítica universal, enquanto que a ética exerce uma permanente vigilância crítica sobre a moral, para a reforçar ou transformar.

Por que é que a ética é necessária e importante?

A ética tem sido o principal regulador do desenvolvimento histórico-cultural da humanidade. Sem ética, ou seja, sem a referência a princípios humanitários fundamentais comuns a todos os povos, nações, religiões..., a humanidade ter-se-ia auto-destruído. Também é verdade que a ética não garante o progresso moral da humanidade. O facto de que os seres humanos concordarem minima­mente entre si sobre princípios como justiça, igualdade de direitos, dignidade da pessoa humana, cidadania plena, solidariedade, cria oportunidades para que esses princípios possam vir a ser postos em prática, porém, não garante o seu cumprimento. As nações do mundo já entraram em acordo em torno de muitos desses princípios.
A “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, homologada pela ONU em 1948, é uma prova do quanto a ética é necessária e importante. Mas a ética não basta como teoria, nem como princípios gerais acordados pelas nações, povos, religiões... Nem basta que as Constituições dos países reproduzam esses princípios. É preciso que cada cidadão e cidadã incorpore esses princí­pios como uma atitude prática diante da vida quotidiana, de modo a pautar por eles o seu com­porta­mento. Como consequência inevitável, o exercício pleno da cidadania (ética) entra fre­quentemente em colisão frontal com a moral vigente... Até porque a moral vigente, sob pressão dos interesses económicos e de mercado, está sujeita a frequentes e graves degenerações.

A falta de ética prejudica quem e porquê?

A falta de ética prejudica mais quem tem menos poder (menos poder económico, menos poder cul­tural, menos poder político). A transgressão aos princípios éticos acontece sempre que há desigual­dades e injustiças na forma de exercer o poder. Ora, isso ainda mais acentua essas desi­gualdades e injustiças. A falta ou a quebra da ética significa a vitória da injustiça, da desigual­dade, da indigni­dade, da discriminação. Os mais prejudicados são os mais pobres, muito espe­cialmente, os excluí­dos.
A falta de ética prejudica o doente que compra remédios caros e falsos; prejudica a mulher, o idoso, o negro, o homossexual, discriminados no mercado de trabalho ou nas oportunidades cultu­rais; prejudica o trabalhador que tenta a vida política; prejudica os iletrados no acesso aos bens eco­nómicos e culturais; prejudica as pessoas com necessidades especiais (físicas ou men­tais) a usufruir da vida social; prejudica, com a repressão e a humilhação, os que não fazem a opção sexual espe­rada e induzida pela moral dominante...
A atitude ética, ao contrário, é inclusiva, tolerante e solidária: não apenas aceita, mas tam­bém valoriza e reforça a pluralidade e a diversidade, porque plural e diversa é a condição humana. A falta de ética instaura um estado de conflito e de desagregação, pela exclusão. A falta de ética ameaça a humanidade.

Por que é que um político tem que se reger pela ética?

Um político é um cidadão que assumiu a responsabilidade de realizar o interesse público. Não há responsabilidade histórica maior que a de fazer valer e realizar a vontade e o interesse colecti­vos.
A ideia de "vida pública", "serviço público" e "interesse público", tem sido desgastada pelo nosso passado recente, de alternâncias entre populismo, autoritarismo, demagogia, incumpri­mento, cor­rupção... e, muito especialmente, pelo nosso presente neoliberal e privatizante. O "sector público" é, assim, tido como sinónimo de ineficiência, abandono, desleixo, desqualifica­ção, oportunismo, trampolim para a realização de interesses privados... A "coisa pública", por ser "de todos", é tratada como sendo "de ninguém" e, por isso, pode ser apropriada, usada, abu­sada, até, espoliada. Fenóme­nos de suspeição de corrupção política tem levado essa crise do "público" a um limite insustentável.
Nestas circunstâncias, torna-se muito maior a responsabilidade do político em agir etica­mente. E torna-se mais urgente e trabalhosa a necessidade de se resgatar e restaurar a dignidade ética da vida pública.

Então, e as lideranças sociais da esfera privada?

As lideranças sociais têm um poder e uma responsabilidade decisiva de um ponto de vista ético. Nenhuma nação, povo ou grupo social, pode realizar o seu projecto sem lideranças. A liderança social é o elemento de ligação entre os interesses do grupo social e as oportunidades históricas dis­poníveis para os realizar. Se pudesse ser medida, a responsabilidade ética da liderança teria o tama­nho e o peso dos direitos reunidos de todos aqueles que ela representa e lidera. As lideran­ças sociais têm uma tripla responsabilidade ética: institucional, pessoal e educacional.
Responsabilidade institucional, porque devem cumprir fielmente e estritamente os deveres que lhes foram atribuídos. Responsabilidade pessoal, porque devem ser, cada uma delas, um exemplo de cidadania: justas e eticamente íntegras. Responsabilidade educacional, porque, além de serem um exemplo, devem dialogar com aqueles que elas lideram, de modo a ampliar a sua consciência política e a fazer crescê-los em cidadania.
A incoerência ética do líder desqualifica sua liderança e coloca em risco o destino histórico do projecto de seu grupo.

Em que consiste um código de ética?

Um código de ética é um acordo explícito entre os membros de um grupo social: uma categoria profissional, um partido político, uma associação civil... O seu objectivo é explicitar como aquele grupo social que o constitui, pensa e define sua própria identidade política e social; e como aquele grupo social se compromete a realizar seus objectivos particulares de um modo compatível com os princípios universais da ética. Um código de ética começa pela definição dos princípios que o fun­damentam e articula-se em torno de dois eixos normativos: direitos e deve­res.
Ao definir direitos, o código de ética cumpre a função de delimitar o perfil do seu grupo. Ao definir deveres, abre o grupo à universalidade. Esta é a função principal de um código de ética: a definição de deveres deve ser tal que, pelo seu cumprimento, cada membro daquele grupo social realiza o ideal de ser humano.

Como deve ser formulado um código de ética?

O processo de produção de um código de ética deve ser ele mesmo já um exercício de ética. Caso contrário, nunca passará de um simples código moral defensivo de uma corporação. A for­mulação de um código de ética deve, pois, envolver intencionalmente todos os membros do grupo social que ele abrangerá e representará. Isso exige um sistema ou processo de elaboração "de baixo para cima", do geral para o particular, construindo-se consensos progressivos, de tal modo que o resul­tado final seja reconhecido como representativo de todas as disposições morais e éticas do grupo. Portanto, a elaboração de um código de ética realiza-se como um processo educativo no interior do próprio grupo. E deve resultar num produto tal que cumpra, ele também, uma função educativa e exemplar de cidadania diante dos demais grupos sociais e de todos os cidadãos.

Quais são os limites de um código de ética?

Um código de ética não tem a força jurídica de uma lei universal. Mas deverá ter essa força sim­bó­lica. Embora um código de ética possa prever sanções para os incumprimentos dos seus dispo­siti­vos, estas sanções dependerão sempre da existência de uma legislação, que lhe é juridica­mente superior e, portanto, limitadora. Por esta limitação, o código de ética é um instrumento frágil de regulação dos comportamentos de seus membros. Essa regulação só será ética caso o código de ética seja uma emanação da convicção íntima das pessoas envolvidas. Isso aumenta a responsabili­dade do processo de elaboração do código de ética, para que ele tenha a força da legitimidade. Quanto mais democrático e participativo seja esse processo, maiores as possibili­dades de identifica­ção dos membros do grupo com seu código de ética e, em consequência, melhores as condições para a sua eficácia.

 

Relações Éticas

 

Ética e convivência humana

Falar de ética é falar de convivência humana. São os problemas da convivência humana que geram a necessidade da ética. Há necessidade de ética porque os seres humanos não vivem isola­dos; e os seres humanos convivem não por escolha, mas por sua constituição vital. Há necessi­dade de ética porque há o outro ser humano.
Mas o outro, para a ética, não é apenas o outro imediato, próximo, com quem convivo, ou com quem casualmente me deparo. O outro está presente também no futuro (temporalidade) e está pre­sente em qualquer lugar, mesmo que distante (espacialidade).
O princípio fundamental da ética é este: o outro é um sujeito de direitos e a sua vida deve ser tão digna quanto a minha deve ser. O fundamento dos direitos e da dignidade do outro é a sua pró­pria vida e a sua liberdade (possibilidade) de viver plenamente. As obrigações éticas da convivência humana devem regular-se não apenas por aquilo que já temos, já realizámos, já somos, mas também por tudo aquilo que poderemos vir a ter, a realizar, a ser. As nossas possibi­lidades de ser são parte de nossos direitos e de nossos deveres. São parte da ética da convivência.
A atitude ética é uma atitude de amor pela humanidade.

Ética e justiça social

A moral tradicional do liberalismo económico e político habituou-nos a pensar que o campo da ética é o campo exclusivo das vontades e do livre arbítrio de cada indivíduo. Também nessa tra­di­ção, a organização do sistema económico-político-jurídico seria uma coisa "neutra", "natural", e não uma construção consciente e deliberada dos homens em sociedade. Por isso, habituamo-nos a julgar que “não é parte da minha responsabilidade ética a situação do desempregado, do faminto, do imi­grante, do fracassado na escola..., só porque esses males não foram produzidos por mim directa­mente”.
Um sistema económico-político-jurídico que produz estruturalmente desigualdades, injusti­ças, discriminações e exclusões de direitos, é um sistema eticamente mau, por mais que seja legalmente (moralmente) constituído. Consequentemente, o facto de existirem injustiças sociais obriga-nos (a todos) eticamente a agir de modo a contribuir para a sua eliminação.

Ética e sistema económico

O sistema económico é o factor mais determinante de toda a ordem (e desordem) social. É o princi­pal gerador tanto dos problemas, como das soluções éticas. O fato de o sistema económico parecer ter vida própria, independente da vontade dos homens, contribui para ofuscar a respon­sabilidade ética dos que estão no seu comando. O sistema económico mundial, do ponto de vista dos que o comandam, é uma vasta e complexa rede de hábitos consentidos e de compromissos reciprocamente assumidos, o que faz parecer que sua responsabilidade ética individual não exista.
A globalização (falsa universalidade) do sistema económico cria a ilusão de que ele seja legí­timo. As multidões crescentes de desempregados, famintos e excluídos, entretanto, são a demons­tração dessa ilusão. A moral dominante do sistema económico diz que, pelo trabalho, qualquer indi­víduo pode ter acesso à riqueza. A crítica económica diz que a reprodução da misé­ria económica é estrutural. A ética diz que, sendo assim, exigem-se transformações radicais e globais na estrutura do sistema económico.

 

Ética e meio ambiente

A voracidade predatória do sistema económico vigente olha a Natureza tão somente como uma fonte de matérias-primas para a produção de mercadorias. Com isso a Natureza torna-se ela pró­pria uma mercadoria.
O trabalho é a acção humana que transforma a Natureza para o Homem. Mas para que o tra­ba­lho cumpra essa finalidade de sustentar e humanizar o Homem, deve realizar-se de modo auto-sus­tentável para a Natureza e para o Homem. A voracidade predatória de nosso sistema econó­mico está rompendo perigosamente o equilíbrio da auto-sustentabilidade entre a Natureza e o Homem. Este é um dos problemas éticos mais radicais da nossa geração, pois ameaça a sobrevi­vência futura do planeta e da humanidade. Para se falar em dignidade da vida é preciso, antes, que haja vida.
A moral dominante desse sistema económico separa a Natureza da Cultura, e com isso desu­maniza a Natureza e desnaturaliza o Homem. Preservar e cuidar da Natureza é preservar e cuidar da humanidade, das gerações actuais e futuras. Preservar e cuidar do meio ambiente é uma res­ponsabi­lidade ética diante da natureza humana.

Ética e educação

A educação é uma socialização das novas gerações de uma sociedade e, enquanto tal, conserva os valores dominantes (a moral) naquela sociedade. A educação é também uma possibilidade e um impulso à transformação: desenvolvimento das potencialidades dos educandos.
Toda a educação é uma acção interactiva: realiza-se através da informação, da comunicação e do diálogo entre seres humanos. Em toda educação há um outro em relação. Por tudo isso, a ética está implicada em toda educação. Uma educação pode ser eficiente enquanto processo for­mativo e ao mesmo tempo, eticamente má, como foi a educação nazista, por exemplo. Pode ser boa do ponto de vista da moral vigente e má do ponto de vista ético.
A educação ética (ou, a ética na educação) acontece quando os valores no conteúdo e no exer­cício do acto de educar são valores humanos e humanizadores: a igualdade cívica, a justiça, a dignidade da pessoa, a democracia, a solidariedade, o desenvolvimento integral de cada um e de todos.

Ética e cidadania

As instituições sociais e políticas têm uma história. É impossível não se reconhecer o seu desen­vol­vimento e o seu progresso em muitos aspectos, pelo menos do ponto de vista formal. Consi­deremos, por exemplo, o caso do Brasil: a escravidão era legal até há 120 anos atrás; as mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar apenas há 60 anos e os analfabetos apenas há 12 anos. Chamamos isso de ampliação da cidadania.
Mas há direitos formais (civis, políticos e sociais) que nem sempre se realizam como direitos reais. A cidadania nem sempre é uma realidade efectiva, nem para todos. A efectivação da cida­da­nia e a consciência colectiva dessa condição são indicadores do desenvolvimento moral e ético de uma sociedade.
Para a ética não basta que exista um elenco de princípios fundamentais e de direitos defini­dos nas Constituições. O desafio ético para uma Nação é o de universalizar os direitos reais, permitindo a todos uma cidadania plena, quotidiana e activa.

Ética e política

A política é a acção humana que deve ter por objetivo a realização plena dos direitos e, portanto, da cidadania para todos. O projecto da política, assim, é o de realizar a ética, fazendo coincidir com ela a realização da vontade colectiva dos cidadãos, o interesse público. A função ética da política é eli­minar, por um lado, os privilégios de poucos e, pelo outro lado, as carências de muitos, instaurando, deste modo, o direito para todos.
São inegáveis os aperfeiçoamentos das instituições políticas em Portugal, ao longo da nossa História. Mas são inegáveis, igualmente, as traições de uma parte da classe política contra essas instituições e contra o mandato que lhes foi confiado.
Requer-se, pois, o exercício da cidadania activa e criativa, tanto pelos políticos como pelos cidadãos, reforçando-se e aprimorando-se as instituições políticas, fazendo-as valer de direito e de facto. A cidadania activa, como luta pelos próprios direitos e pelos direitos de todos, é o exer­cício quotidiano da ética na política.

Ética e corrupção

 

A corrupção é a suprema perversidade da vida económica e da vida política de uma sociedade. É a subversão dos valores social e culturalmente proclamados e assumidos como legítimos. A cor­rup­ção, seja activa ou passiva, é a força contrária, o contrafluxo destruidor da ordem social. É a nega­ção radical da ética, porque destrói na raiz as instituições criadas para realizar direitos. Obviamente, a corrupção é anti-ética.
A corrupção pode, em situações extremas e absurdas, chegar a tornar-se a moral estabele­cida, a ponto de gerar nos cidadãos o conformismo com o mal social. A nossa História recente tem, a esse respeito, um dos maiores desafios a enfrentar. Ou bem que os cidadãos reagem acti­vamente e os responsáveis legais agem exemplarmente sem concessões à impunidade, ou o País avança rapida­mente para processos de desagregação.
Indignar-se, resistir e combater a corrupção é um dos principais desafios éticos.

 

Bibliografia:

[BOFF97] Boff, Leonardo; A Águia e a Galinha – uma metáfora da condição humana; Petrópolis (Brasil), Editora Vozes, 1997.
[SUSIN95] Susin, Frei Luiz Carlos; Por uma ética da Liberdade e da Libertação; São Paulo, editora Paulus, 1995.
[ZAJD99] Zajdsznajder, Luciano; Ser Ético; Rio de Janeiro, editora Gryphus, 1999.

 

 

Fonte do documento:http://www.ipt.pt/tomar/apegp/Etica.doc

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Autor do texto: Compilado por J.Palma Ramos

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