Análise do discurso

 

 

 

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Análise do discurso

 

LINGUA PORTUGUESA, SEMIÓTICA E ANÁLISE DO DISCURSO:

 

UMA NOVA DIMENSÃO PARA O LER E REDIGIR.

 

 

Discussão dos novos rumos do ensino da língua portuguesa

O modelo estrutural praticado nas décadas de 60 e 70 criaram hábitos dicotômicos que parecem haver restaurado o maniqueísmo confortável que leva o homem a oscilar entre o bem e o mal, o certo e o errado, o feio e o bonito, enfim, entre duplas antagônicas responsáveis pela instauração dos conflitos que fazem da “pobre criatura humana” um verdadeiro refém das coisas e da história. (SIMÕES, 2000)

 

Há muito que o ensino de português vem sendo discutido pelos docentes e acadêmicos. Nesta discussão, onde se questiona a intervenção de novidades teóricas e metodológicas mal aproveitadas em sua grande maioria, acaba-se por desaguar num palavrório estéril que supervaloriza a gramática, ou melhor, a nomenclatura gramatical tornando-a a grande vilã e a maior responsável pelo fracasso escolar no que tange à propagação de um domínio eficiente da língua portuguesa e de sua potencialidade expressivo-comunicativa. Da ineficiência da aprendizagem do vernáculo decorre o baixo rendimento nas demais disciplinas, considerando-se que a assimilação dos conteúdos em geral depende da competência de leitura e de expressão escrita do estudante.

O atingimento de patamares aproximados do ideal — um usuário de língua capaz de falar, ler e escrever com eficácia — requer o redimensionamento do roteiro técnico-didático e teórico-prático utilizado pela escola. No plano técnico-didático, a abordagem dos fatos da língua ainda continua bastante distanciado do que o aluno espera e precisa vivenciar em classe para tornar-se um usuário eficiente do vernáculo; no plano da teoria aplicada, vê-se ainda um forte predomínio de prática gramaticalista em que a variação lingüística não é observada com a necessária coerência, isto é: há duas atitudes extremadas neste âmbito – a da obediência cega à gramática normativa, condenando qualquer uso que dela se afaste, independentemente da destinação do texto; a da “libertinagem” lingüística em que “tudo é certo” desde que comunique. Assim sendo, tem-se uma prática escolar deformada por meio da qual a língua nacional acaba por tornar-se objeto de críticas severas por parte dos usuários (no caso, os estudantes), uma vez que estes não conseguem compreender sequer os objetivos do trabalho pedagógico com a língua e se perguntam por que e para que estudar o português se, por um lado não conseguem entender a maior parte das informações normativas ilustradas (via de regra, com exemplário anacrônico e lusitano); por outro, não conseguem associar tais informações com sua real prática lingüística. Por conseguinte, o estudo do vernáculo torna-se, além de desagradável (só se gosta do que se entende) totalmente dispensável, já que nada acrescenta à prática sociocomunicativa do estudante.

Visando a revitalizar o processo de ensino-aprendizagem em geral e a eficiência da comunicação lingüística como base do crescimento cultural do estudante, o Governo Federal, por intermédio do MEC representado por comissões de especialistas, gerou o documento intitulado PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCN) que, agrupando as disciplinas por áreas de afinidade, deu uma atenção bastante especial à comunicação e expressão e contemplou a área denominada Linguagens, códigos e suas tecnologias com um suporte teórico de alta relevância na contemporaneidade: a Semiótica, a Análise do Discurso e a Análise Estilística. Este enfoque permite buscar-se a interdisciplinaridade por meio da exploração multissígnica e da conscientização das relações entre significado, significação, sentido e posição discursiva.

A respeito da troca interdisciplinar, Guilherme Reichwald Jr. (Apud, NEVES et all, 1999: 67) assevera que:

No bojo da renovação e dos novos caminhos trilhados, dialogar com as áreas do conhecimento, ler a geografia com base em textos variados das diferentes ciências, da mídia, do imaginário popular, etc., é algo enfatizado com as mudanças dos anos 80, em especial. A geografia passa a utilizar o saber sistematizado na linguagem escrita como referência para entender o espaço como resultado e elemento influenciador da realidade social.

Acrescente-se o que diz GONÇALVES (id. Ib., 1999):

(...) o que a escola parece esquecer é que na natureza os processos não se desenvolvem dissociados, mas principalmente integrados, sendo um a contrapartida de outro na busca da auto-organização do organismo (p.51). (...) Falar, ler, escrever  e movimentar-se ajudam as pessoas a organizarem como se sentem as suas subjetividades (p. 58).

Sobre isto, vale a pena citar trecho de Morin: devemos reconhecer nosso duplo enraizamento no cosmos físico e na esfera viva e, ao mesmo tempo, nosso desenraizamento propriamente humano. Estamos simultaneamente dentro e fora da natureza. (2000: 48). Como se vê, a correlação entre o aprendizado sistemático e as vivências é a base de toda a estimulação ao engajamento no processo de aprender, de construir o conhecimento.

 

Semiótica: Estilística e Análise do Discurso: um tripé metodológico indispensável

A intervenção da Semiótica – sobretudo a fundada por Charles Sanders Peirce (1839-1914) — oferece ao aluno uma visão mais abrangente dos signos e dos códigos, demonstrando-lhes a importância na formulação do raciocínio e, por conseguinte, na sua expressão e comunicação eficientes. É a ciência semiótica que otimiza a observação das relações entre sensibilidade, reação e raciocínio, por meio de seu enfoque triádico (a que o filósofo denominou de primeiridade, secundidade e terceiridade) do fenômeno da semiose (processo de geração de significação e sentido), a partir do que torna-se possível acompanhar e compreender a evolução de um simples sinal ao estatuto de signo e sua participação no engendramento do texto e da comunicação. A ciência semiótica — em sua corrente norte-americana — explicita os mecanismos de produção de textos, observando os signos que os constituem em três níveis: a) o das qualidades, que tocam a sensibilidade e despertam a função cerebral; b) o das relações, que provocam reações sensitivas deflagradoras de associações entre experiências vividas e estratégias a desenvolver; c) o das generalizações, que possibilitam a construção de leis gerais aplicáveis em situações análogas futuras.

Ilustrando: a) a sensação provocada por uma cor aciona mecanismos cerebrais que se repetirão todas as vezes que aquela qualidade — cor X — apresentar-se à mente captável;  b) a reação resultante da sensação experimentada buscará interpretá-la em consonância com experiências prévias — a cor de ??? ou em ??? — similares (ou análogas) vividas ou observadas; c) a denominação da experiência — cor X como cor de algo — gera uma convenção reaplicável a situações similares (ou análogas) futuras. Como se vê, a intervenção semiótica opera diretamente no eixo mental, permitindo o armazenamento de vivências não só para reutilização posterior, mas também para transformação e extensão na solução de novos problemas com que o indivíduo (no sentido biológico, já que há estudos semióticos no âmbito não-humano) possa vir a defrontar-se.

É a Semiótica que dá subsídios para que o homem se veja como um signo no/do mundo e disponha-se a interagir com os demais signos, partilhando com eles um espaço solidário (pois nem só o homem é signo). Portanto, por meio de uma atitude semiótica, parece tornar-se possível o resgate da sensibilidade humana, uma vez que aquela ciência, em última análise é a que nos ensina a “ver” (no sentido bíblico — assimilar, compreender).

A Estilística , por sua vez, como uma Retórica renascida, fornece instrumentos táticos de análise que desnudam sobretudo os volteios sintagmáticos necessários à melhor expressão, à eficácia do dizer. A arte Retórica, documentada inicialmente no saber aristotélico (Aristóteles — 384-322 a. C.), examina e explora a eloqüência   por meio da qual  constrói-se o uso persuasivo da linguagem.

A retomada do enfoque estilístico resulta ainda (por extensão) no revisitar o modelo peripatético , com que se aprende “passeando”. Passeia-se pelo mundo empírico, pelas experiências cognoscitivas e, no caso da estilística, “passeia-se” entre o sistema e a norma, observando-se um uso nem sempre obediente à gramática padrão, contudo, eficiente na comunicação e na expressão.

Observe-se o que diz Geraldi, em Portos de Passagem:

Construir sentidos no processo interlocutivo demanda o uso de recursos expressivos: estes têm situacionalmente a garantia de sua semanticidade;  têm esta garantia precisamente por serem recursos expressivos que levam inevitavelmente o outro a um processo de compreensão,  e este processo depende também das expressões usadas e não só de supostas intenções que o interlocutor atribua ao locutor (2000: 10)

É também uma atitude peripatética (segundo nossa redefinição) a dimensão semiótica que se quer imprimir ao processo de ensino-aprendizagem do ler e do escrever, uma vez que se propõe uma travessia abrangente por entre o maior número possível de sinais que se possam tornar signos e, por conseguinte, possam ser traduzidos, interpretados, enriquecendo assim a interação social.

A Análise do Discurso (AD) e suas bases teóricas, a seu turno, explicita os mecanismos de produção de textos levando em conta as condições de produção. É por meio da AD que se tornam visíveis as relações de poder no ato comunicativo. Viabilizando a identificação do sujeito que fala (cf. Searle, 1981), verificando-lhe a autoridade que lhe é conferida pelo lugar social que representa em consonância com o tema sobre que se pronuncia, sua intenção e sua posição ideológica em relação ao seu interlocutor. Por meio da AD torna-se possível levantarem-se as marcas textuais, infra-textuais e supra-textuais que configuram as forças enunciativas, proposicionais, ilocucionais e perlocucionais inscritas no ato de fala, as quais não se realizam nas ou por palavras, mas pelos falantes que as elegem e as pronunciam (cf. Searle, 1981: 41).

Convém aqui salientar que as abordagens pelas vias da Semiótica, da Estilística e da Análise do Discurso vêm a compor uma moldura metodológica que pode intervir na produção de conhecimento em geral e no ensino-aprendizagem da língua em especial, uma vez que se quer com a escolarização a preparação do sujeito para o trabalho de construir efeitos de referência direta ao mundo, mesmo estando em linguagem (qualquer que seja) e, portanto, numa relação simbólica.

Vejamos o que diz Orlandi a esse respeito:

Face a qualquer objeto simbólico, o Sujeito se encontra na necessidade de “dar” sentido. E o que é dar sentido? Para o sujeito que fala, é construir sítios de significância (delimitar domínios), é tornar possíveis gestos de interpretação (1996: 2)

O ato de “dar sentido” implica a consideração do valor comunicativo da língua portuguesa como língua materna e nacional — e de seu domínio como instrumento fundamental da aquisição de conhecimentos das demais disciplinas — e demanda a rediscussão da mentalidade metodológica com que o processo de ensino-aprendizagem do vernáculo vem sendo orientado. Enfatizando-se (e buscando minimizar) as conseqüências sócio-políticas de um ensino eminentemente gramatical (ou nomenclatural), que não instrumentaliza o usuário para a comunicação eficiente, verifica-se que é preciso inserir a língua em um contexto maior de códigos e signos, por onde transitam as demais disciplinas e suas respectivas linguagens (independentemente de área ou subárea). Com essa nova perspectiva, percebe-se a imposição do conhecimento enciclopédico associado ao conhecimento sígnico — sempre associado ao lingüístico, em particular — como sendo a base da capacitação do sujeito para a leitura do mundo com olhos próprios, ou seja, para a autonomia de interpretação dos signos do mundo, para a formação a cidadania independente.

SIMÕES (op.cit.) relembra que:

É preciso um apetrechamento ilustrativo-informativo bem amplo para que não nos deixemos apossar pelas idéias produzidas, difundidas e incutidas por terceiros em nossa mente, para viabilizar uma “virada no jogo”, criando-se uma dupla possessão: a de nossa mente pelas idéias e a das idéias por nossa mente.

Isto implica que se dê relevo à importância da leitura e da redação como determinantes da atuação sócio-política do indivíduo e de sua capacidade de compreensão das mensagens verbais e não-verbais — o que contempla todas as disciplinas integrantes do currículo escolar. Numa era cibernética, veloz e multicultural, exige-se dos indivíduos uma ampla cosmovisão e uma competência e desempenho sígnicos capazes de afastá-los de quaisquer mecanismos de marginalização sócio-econômica e cultural. Enfim, discutir a capacitação para a leitura do mundo aliada a um potencial de fluência discursiva e enunciativa (oral e escrita) suficientes para a melhoria de sua qualidade de vida e para a sua colaboração no aperfeiçoamento da sociedade de que participa, a partir de um processo de ensino-aprendizagem da língua calcado num instrumental teórico consistente e indispensável ao novo modelo de professor de linguagens.

 

Referências bibliográficas:

MORIN, Edgar (2000) Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez/ UNESCO.

NEVES, Iara Conceição Bitencourt et all (org.) 1999. Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS.

ORLANDI, Eni P. (1996) Interpretação. Petrópolis.Vozes.

SEARLE, J. R. 1981. Os actos de fala. Coimbra: Almedina.

SIMÕES, Darcilia (2000) A trindade no conhecimento: uma leitura semiótica libertária. In Revista da SUESC. No  2 – 2000. Publicado na Revista de Semiótica disponível em http://www.archivo-semiotica.com .

Notas.

[Do al. Stylistik, pelo fr. stylistique.] - S. f. E. Ling.  1. Disciplina que estuda a expressividade duma língua, i. e., a sua capacidade de sugestionar e emocionar mediante determinados processos e efeitos de estilo.  2.             Tratado ou compêndio dessa disciplina.  3.                Exemplar de um desses tratados ou compêndios.  (Aurélio, s.u.)

[Do gr. rhetoriké (subentende-se téchne), 'a arte da retórica', pelo lat. rhetorica.] S. f. 1. Eloqüência (4); oratória.  2.  E. Ling.  Estudo do uso persuasivo da linguagem, em especial para o treinamento de oradores. (Aurélio, s.u.)

[Do lat. eloquentia.] S. f.  1.  Capacidade de falar e exprimir-se com facilidade.  2. A arte e o talento de persuadir, convencer, deleitar ou comover por meio da palavra.  3. P. ext. Qualidade de persuasivo, expressivo, convincente, eloqüente: a eloqüência do olhar; a eloqüência dos fatos.  4. E. Ling.  A arte de bem falar.  (Aurélio, s.u.)

[Do gr. peripatetikós, 'que gosta de passear', pelo lat. peripateticu.] Adj. 1. Filos.  Aristotélico (1 e 2).  2. Restr.  Pertencente ou relativo a peripatetismo.  3. Que se ensina passeando.   4.  Fig. Exagerado na expressão, nos gestos. (Aurélio, s.u.)

 

 

Profª Drª DARCILIA SIMÕES (UERJ)

 

 

Notas.

[Do al. Stylistik, pelo fr. stylistique.] - S. f. E. Ling.  1. Disciplina que estuda a expressividade duma língua, i. e., a sua capacidade de sugestionar e emocionar mediante determinados processos e efeitos de estilo.  2.             Tratado ou compêndio dessa disciplina.  3.                Exemplar de um desses tratados ou compêndios.  (Aurélio, s.u.)

[Do gr. rhetoriké (subentende-se téchne), 'a arte da retórica', pelo lat. rhetorica.] S. f. 1. Eloqüência (4); oratória.  2.  E. Ling.  Estudo do uso persuasivo da linguagem, em especial para o treinamento de oradores. (Aurélio, s.u.)

[Do lat. eloquentia.] S. f.  1.  Capacidade de falar e exprimir-se com facilidade.  2. A arte e o talento de persuadir, convencer, deleitar ou comover por meio da palavra.  3. P. ext. Qualidade de persuasivo, expressivo, convincente, eloqüente: a eloqüência do olhar; a eloqüência dos fatos.  4. E. Ling.  A arte de bem falar.  (Aurélio, s.u.)

[Do gr. peripatetikós, 'que gosta de passear', pelo lat. peripateticu.] Adj. 1. Filos.  Aristotélico (1 e 2).  2. Restr.  Pertencente ou relativo a peripatetismo.  3. Que se ensina passeando.   4.  Fig. Exagerado na expressão, nos gestos. (Aurélio, s.u.)

 

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