Simbolismo Embora Eugénio de Castro
Simbolismo Embora Eugénio de Castro
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Simbolismo Embora Eugénio de Castro
SIMBOLISMO
Embora Eugénio de Castro seja o introdutor do Simbolismo, com Oaristos (1890), o poeta mais importante desta corrente, ligada ao clima de inquietação e incompletude da atmosfera finissecular, que produz correntes de pensamento de componente idealista (e em Portugal se agrava com os ecos do «Ultimato Inglês»), é Camilo Pessanha.
Venceslau de Moraes
Também Fialho de Almeida, na prosa, representa esta tendência (embora o seu estilo impressionista se filie igualmente na escola naturalista), assim como Venceslau de Morais (assumindo a temática da evasão, que concretiza nas suas viagens ao Oriente e radicando-se no Japão) e, mais ligados ao séc. XX, António Patrício, Carlos Malheiro Dias, Teixeira Gomes e Raul Brandão.
Na poesia, António Nobre e Florbela Espanca articulam-se ainda com a mentalidade elegíaca e de aspirações indecisas característica do simbolismo, que na prosa produz sensíveis inovações na narrativa, insistindo na materialidade da escrita e abalando os mecanismos tradicionais da representação através do discurso.
Perdi os meus fantásticos castelos
Como névoa distante que se esfuma...
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
Quebrei as minhas lanças uma a uma!
Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma...
- Tantos escolhos! Quem podia vê-los? -
Deitei-me ao mar não salvei nenhuma!
Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel,
Perdi meu elmo de oiro e pedrarias...
Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
Sobre o meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias...
Florbela Espanca
Eugenio De Castro
Eugénio de Castro e Almeida (1869-1944) nasceu e faleceu em Coimbra. Foi director da revista Arte entre 1895 e 1896, onde colaboraram, entre outros, Verlaine e Mallarmé. É considerado o introdutor do Simbolismo em Portugal. Obras: Cristalizações da Morte (1884), Canções de Abril (1884), Jesus de Nazareth (1885), Per Umbram (1887), Horas Tristes (1888), Oaristos (1890), Horas (1891), Sylva (1894), Interlúnio (1894), Belkiss (1894), Tirésias (1895), Sagramor (1895), Salomé e Outros Poemas (1896), A Nereide de Harlém (1896), O Rei Galaor (1897), Saudades do Céu (1899), Constança (1900), Depois da Ceifa (1901), A Sombra do Quadrante (1906), O Anel de Polícrates (1907), A Fonte do Sátiro (1908), O Cavaleiro das Mãos Irresistíveis (1916), Camafeus Romanos (1921), tentação de São Macário (1922), Canções desta Negra Vida (1922), Cravos de Papel (1922), A mantilha de Medronhos (1923), A Caixinha das Cem Conchas (1923), Descendo a Encosta (1924), Chamas duma Candeia Velha (1925), Éclogas (1929), Últimos Versos (1938).
OARISTOS
PREFACIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO
(1899)
(...) Com duas ou três luminosas excepções, a Poesia portuguesa contemporânea assenta sobre algumas dezenas de coçados e esmaiados lugares-comuns.
Tais são:
olhos cor do céu, olhos comparados a estrelas, lábios de rosa, cabelos de ouro e de sol, crianças tímidas, tímidas gazelas, brancura de luar e de neve, mãos patrícias, dentes que são fios de pérolas, colos de alabastro e de cisne, pés chineses, rouxinóis medrosos, brisas esfolhando rosas, risos de cristal, cotovias soltando notas também de cristal, luas de marfim, luas de prata, searas ondulantes, melros farçolas assobiando, pombos arrulhadoras, andorinhas que vão para o exílio, madrigais dos ninhos, borboletas violando rosas, sebes orvalhados, árvores esqueléticas, etc..
No tocante a rimas, uma pobreza franciscana: lábios rimando sempre com sábios, pérolas com cérulas, sol com rouxinol, caminhos com ninhos, nuvens com Rubens (?),noite com açoite; um imperdoável abuso de rimas em ada, ado, oso, osa, ente, ante, ão, ar, etc..
No tocante a vocabulário, uma não menos franciscana pobreza: talvez dois terços das palavras que formam a língua portuguesa, jazem absconsos, desconhecidos, inertes, ao longo dos dicionários, como tarecos sem valor em lojas de arrumação.
Tais os rails por onde segue, num monótono andamento de procissão, o comboio misto que leva os Poetas portugueses da actualidade à gare da POSTERIDADE, Poetas suficientemente tímidos para temerem o vertiginoso correr do expresso da ORIGINALIDADE.
Inexperiente, o autor dos Oaristos teve um dia a cândida ingenuidade de se meter nesse moroso misto: cinco anos suportou a lentidão da viagem e a má companhia, até que uma e outra começaram a incomodá-lo de tal maneira, que resolveu mudar para o supracitado expresso, preferindo, deste modo, um descarrilamento à secante expectativa de ficar eternamente parado na concorridíssima estação da VULGARIDADE.
Os Oaristos são as primícias dessa nova maneira do Poeta.
Registando:
Este livro é o primeiro que em Portugal aparece defendendo a liberdade do Ritmo contra os dogmáticos e estultos decretos dos velhos prosodistas.
As ARTES POÉTICAS ensinam a fazer o alexandrino com cesura imutável na sexta sílaba. Desprezando a regra, o Poeta exibe alexandrinos de cesura deslocada e alguns outros sem cesura. Tal fizeram, em França, Francis Vielé-Griffin e Jean Moréas.
Os alexandrinos são lançados em pare-lhas, mas os últimos quatro versos de cada Poema tem (tal se faz nos tercetos) suas rimas cruzadas. Salvo erro, é a primeira vez que assim se corta o alexandrino.
Pela primeira vez, também, aparece a adaptação do delicioso ritmo francês, rondel.
Introduz-se o desconhecido processo da aliteração: veja-se o poema XI e muitos versos derramados ao longo desta silva.
Ao contrário do que por aí se faz, ornaram-se os versos de rimas raras, rutilantes: na mais extensa composição, a composição IV, que tem cento e sessenta e dois alexandrinos, não se encontra uma única rima repetida.
O vocabulário dos Oaristos é escolhido e variado. Algumas palavras menos vulgares darão certamente lugar aos comentários cáusticos da crítica. Embora.
O Poeta empregou esses raros vocábulos:
em primeiro lugar, porque às fastidiosas perífrases prefere o termo preciso;
em segundo lugar, porque pensa, como Baudelaire, que as palavras, independentemente da ideia que representam, têm a sua beleza própria. Assim: gomil é mais belo que jarro, cerusa mais belo que alvaiade, etc.;
em terceiro lugar, pela simpatia que lhe merece esse estilo chamado decadente, que tão bem definido foi por Théophile Gautier:
«Style ingénieux, compliqué, savant, plein de nuances et de recherches, reculant toujours les bornes de la langue, empruntant à tous les vocabulaires techniques, prenant des couleurs à toutes les palettes, des notesà tous les claviers, s'efforçant à rendre la pensée dans ce qu'elle a de plus ineffable, et la forme en ses contours les plus vagues et les plus fuyants, écouiant pour les traduire les confidences subtiles de la névrose, les aveux de la passion vieillissante qui se déprave et les hallucinations bizarres del'idée fixe tournant à la folie... Ce n'estpas chose aisée, d'ailleurs, que ce style méprisé des pédánts, car il exprime des idées neuves avec des formes nouvelles et des mots qu'on n'a pas entendus encore...»
Tais são, sumariamente, as capitais inovações que este livro apresenta.
PREFACIO DA SEGUNDA EDIÇÃO
(1899)
(...) A verdade é esta: literariamente, bem pode ser que os Oaristos nada valham, mas, historicamente, ninguém se atreverá a negar-lhes um importante e duradouro lugar na literatura portuguesa do século que finda.
Há neste volume uma forte dose de exagero, que muitos atribuíram a um juvenil desejo de épater le bourgeois, mas que, rigorosamente, deve ser explicada pela necessidade de sublinhar, com um violento traço vermelho, á estagnada vulgaridade das formas poéticas de então.
O efeito da minha tentativa excedeu em amplitude e rapidez os cálculos que eu próprio tinha deitado. Quase todos os meus camaradas, novos e velhos, alguns no galarim, tomaram pelo caminho que eu desbravara. A mobilização da cesura nos alexandrinos, e a dos acentos clássicos no decassílabo, o esmero no emprego das rimas, a escolha rigorosa dos epítetos, o alargamento do vocabulário, a restauração dos moldes arcaicos, o verso livre, a aliteração: – todas essas inovações, iniciadas nos Oaristos e continuadas depois nas Horas, são hoje for-mas correntes na poética nacional, que, evidentemente, saiu, por via delas, da paralisia que a entrevara.
.......................
I
Triunfal, teatral, vesperalmente rubro,
Na diáfana paz dum poente de Outubro,
O sol, esfarrapando o incenso dos espaços,
Caminha para a morte em demorados passos,
Como as bandas que vão a tocar nos enterros...
E surgindo detrás de acuminantes serros,
Melancolicamente a lua de mãos belas,
Tecedeira do azul, tece num tear de estrelas,
Um lenço branco, um lenço alvíssimo e brilhante,
Para acenar com ele ao sol, seu ruivo amante...
Sobre o verde jardim caem penumbras lentas.
Em seus vasos de louça, as flores sonolentas
São berços embalando o dormir dos insectos;
A alma dum arroio, entre avencas e fetos,
Suspirosa, murmura em cascavéis de prata;
Velha Níobe, chora ao longe uma cascata;
Esplendem girassóis como fulvas custódias;
Passam no éter brando as pastorais monódias;
E à flor dum lago, onde o sol cai em flavos feixes
E onde passam legiões de escarlatinos peixes,
À flor dum lago azul, circundado de buxo,
Simbólico, real, levanta-se um repuxo,
Como uma grande flor de cristal a cantar!
Foi numa hora assim, mansa, crepuscular,
Que ao longo desta longa e folhosa alameda,
Altiva, imperial, entre um rugir de seda,
Vi pela vez primeira a Eleita de minh'alma,
A grande Flor subtil, inigualável, alma,
A Maior, a mais Bela, a mais Amada, a Única!
Vinha gloriosa e triste, envolta em negra túnica,
Que no chão se rojava em ondulantes dobras,
Tinha no calmo andar a elegância das cobras,
A leveza dum silfo e a graça duma ânfora,
E, assim como num golpe um alvo pó de cânfora,
O seu olhar fazia doer, olhar profundo.
Eu era nesse tempo um grande vagabundo,
Um precoce infeliz, viúvo de ilusões;
O sinistro fragor das mundanas paixões
Não chegava de há muito a meus ouvidos lassos;
O egoísmo, o grande rei, cingira-me em seus braços;
De ninguém tinha dó, de ninguém tinha inveja...
Contemplando de longe a sórdida peleja,
Esta infrene peleja, a que chamamos vida,
Seguia, alheio a tudo e de cabeça erguida,
Tendo um único irmão: o meu gelado orgulho.
A Dúvida, funesto, ardente sol de Julho,
Queimara, rudemente, a flor da minha crença;
Em meu peito reinava a fria indiferença;
Tinha descarrilado o vagão dos meus sonhos;
Meus dias eram maus, longuíssimos, tristonhos,
Ensopados de névoa e de melancolia...
Mas ao vê-lA surgir triunfalmente fria,
Grácil como uma flor, triste como um gemido,
Meu peito recobrou o seu vigor perdido,
Todo eu era contente e alegre como um rei!
E, cheio de surpresa, abismado, fiquei
A olhar o seu perfil e o garbo do seu colo,
Cheio de admiração, como um homem do pólo
Quando, depois de ter suportado os reveses
Duma noite cruel e fria de seis meses,
Iluminando enfim os tenebrosos trilhos,
Vê surgir, entre a neve, o sol com ruivos brilhos!
O céu fulgia como a cauda dum pavão.
Aos seus cabelos reais prendiam-se no chão,
Triste e amorosamente, as pálidas folhagens,
Enquanto os olhos meus seguiam como pajens,
O seu rítmico andar sonâmbulo e moroso...
Assim me apareceu o Lírio tenebroso,
Cujo ar desprezador me fere e vampiriza,
Criatura esfingial, triste como Artemisa,
Vingativa, feroz e linda como Fásis,
Flor cujo corpo é o aprilino oásis,
O caravansará que, por noites insanas,
Vão demandando embalde as longas caravanas,
As caravanas dos meus nómades desejos...
Assim eu vi brilhar seus olhos malfazejos,
Assim me deslumbrou a graça do seu busto!
Hoje venho cantar em verso nobre e augusto
Seus álgidos desdéns, tão frios como um túmulo,
E seu corpo que é a quinta-essência, o cúmulo
Da esbeltez, do frescor, da graça feminina.
– Flor bizarra, que eu vi à hora vespertina,
Flor marcescente, que eu constantemente sigo,
Flor, que olho sem cessar, como um estilita antigo,
Olhando o flavo sol, de pé, numa coluna,
Flor de trigueiras mãos, de cabeleira bruna,
Em teu regaço ponho este livro a ti feito.
Este livro febril, que delira e que mostra
Um desvairado amor agarrado ao meu peito,
Rara pérola azul agarrada a uma ostra!
II
Em verso vou cantar o meu Diamante preto!
Do mais grácil, estranho e bizantino aspecto,
Flexível corno um junco e esbelto como um fuso,
Seu núbil corpo tem, num dualismo confuso,
A finura do lírio e o garbo das serpentes;
Soberba e esguia, com seus passos indolentes,
Quando caminha. lembra uma túlipa a andar;
Lenta e subtil, parece até que vai no ar,
Como um caule de flor, levada pela aragem;
Basta vê-lA uma vez para que a sua imagem
Leve, tão leve como os perfumes e o som,
Fique vibrando em nós, eternamente, com
A doçura sem par duma voz que se extingue...
Franzino e original, o seu corpo é um moringue
Em cujo colo estreito alguém tivesse posto
Um moreno botão de rosa-chã, – seu rosto,
Grácil botão que exala uma essência secreta,
Botão onde pousou nocturna borboleta
Com asas negras, muito negras, – seus bandós.
Sua desfalecida e liquescente voz,
Dorida como um ai e lassa como um canto,
Sua lânguida voz, maravilhoso encanto,
De que Ela tem o amavioso monopólio,
E um fio de veludo, um suavíssimo óleo:
Suave, a sua voz suave se derrama...
Seu hálito infantil endoidece e embalsama,
Subtil como o ananás, forte como um veneno.
Seu pescoço sem par é um cortiço moreno,
Que os meus desejos vão circundando em colmeia.
Tem música no andar, quando à tarde passeia
Do seu alto balcão nos marmóreos losangos.
A sua boca é um sorvete de morangos.
Seu magro busto oval brilha, como um santelmo,
Sob o seu penteado, esse ebânico elmo
Pesado e nocturnal, com reflexos azuis.
Seu gesto excede em graça as larvas dos paúis,
Que em curvos voos vão voando à flor dos pântanos.
Tem as unhas de opala; o seu riso quebranta-nos;
Vibrante de coral, seus cílios são de seda;
Seu capitoso olhar é um vinho que embebeda;
Seus negros olhos são duas amoras negras!
Original, detesta as convenções e as regras;
Ama o luxo, o requinte e a excentricidade,
Faz tudo o que lhe apraz, impõe sua vontade,
Diz o que sente, sem lisonja, sem disfarce.
Cousa que muito poucos têm, sabe domar-se:
Como é medrosa, a fim de ver se perde o medo,
Às quietas horas do Mistério e do Segredo,
Percorre longos, funerários corredores,
Onde pairam, chorando as suas fundas dores,
Fantasmas glaciais, errantes e protervos!
Nervosa, com o fim de subjugar seus nervos,
Corta as unhas em bico, à guisa de punhais.
– Chega mesmo a morder pedaços de veludo!
Detesta o movimento, as expansões e tudo
O que possa alterar o seu viver inerte;
Não costuma sair; sonha; não se diverte;
Seus raros gestos são cheios de bizarria,
Finos, excepcionais, sem par.
Pedi-lhe um dia
Que me dissesse qual é o sonho singular,
O sonho que Ela mais quisera realizar,
Aquilo que Ela mais desejaria ter,
Ao que Ela respondeu:
– «Desejaria viver
«No pólo norte, numa estufa de cristal!»
Odeia a luz: ama a penumbra vesperal...
Odeia o piano: adora o som lento do órgão...
E suas finas mãos que bem raro me outorgam
A permissão de as oscular, suas mãos finas,
As suas mãos arquiducais, longas, divinas,
Não sustiveram nunca o peso duma agulha.
Ama os perfumes e as visões; odeia a bulha;
Seu corpo estonteante e lânguido que exala
Doces e sensuais aromas de Sofala,
Do Cairo, do Japão, do Iémen e da Pérsia,
Seu corpo sensual foi feito para a inércia:
– Até para falar às vezes tem preguiça!
Tal é a fria Flor taciturna, insubmissa,
Cujos olhos astrais cortam como estiletes,
Tal é a bem Amada impassível, trigueira,
Cujos olhos astrais – agudos alfinetes,
Ferem meu coração – dorida pregadeira!
XI
Um sonho.
Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...
O sol, o celestial girassol, esmorece...
E as cantilenas de serenos sons amenos
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves.
Flor! enquanto na messe estremece a quermesse
E o sol, o celestial girassol esmorece,
Deixemos estes sons tão serenos e amenos,
Fujamos, Flor! à flor destes floridos fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Como aqui se está bem! Além freme a quermesse...
– Não sentes um gemer dolente que esmorece?
São os amantes delirantes que em amenos
Beijos se beijam, Flor! à flor dos frescos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítólas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Esmaiece na messe o rumor da quermesse...
– Não ouves este ai que esmaiece e esmorece?
É um noivo a quem fugiu a Flor de olhos amenos,
E chora a sua morta, absorto, à flor dos fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Penumbra de veludo. Esmorece a quermesse...
Sob o meu braço lasso o meu Lírio esmorece...
Beijo-lhe os boreais belos lábios amenos,
Beijo que freme e foge à flor dos flóreos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Teus lábios de cinábrio, entreabre-os! Da quermesse
O rumor amolece, esmaiece, esmorece...
Dá-me que eu beije os teus' morenos e amenos
Peitos! Rolemos, Flor! à flor dos flóreos fenos...
Soam vesperais as Vêsperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Ah! não resistas mais a meus ais! Da quermesse
O atroador clangor, o rumor esmorece...
Rolemos, b morena! em contactos amenos!
– Vibram três tiros à florida flor dos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Citolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse?
E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo isso esmorece!
No meu quarto uma luz luz com lumes amenos,
Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...
XII
Saúde e Ouro e Luxo! A Primavera
Interminável! Viagens! Dias lentos!
Inércia e Ouro! O nome aos quatro ventos!
Noites mornas de amor! Tal a Quimera!
A Sombra! A falta de Ouro que exaspera
E da mulher os falsos juramentos!
Correr mapas! Bocejos sonolentos!
Assim a Vida corre e nos lacera!
Sonhamos sempre um sonho vago e dúbio!
Com o. Azar vivemos em conúbio,
E apesar disso, a ALMA continua
A sonhar a Ventura! – Sonho vão!
Tal um menino, com a rósea mão,
Quer agarrar a levantina LUA!
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SAUDADES DO CÉU
O DILÚVIO
Há muitos dias já, há já bem longas noites
que o estalar dos vulcões e o atroar das torrentes
ribombam com furor, quais rábidos açoites,
ao crebro rutilar dos coriscos ardentes.
Pradarias, vergéis, hortos. vinhedos, matos,
tudo desapar'ceu ao rude desabar
das constantes, hostis, raivosas cataratas,
que fizeram da Terra um grande e torvo mar.
À flor do torvo mar, verde como as gangrenas,
onde homens e leões bóiam agonizantes,
imprecando com fúria e angústia, erguem-se apenas,
quais monstros colossais, as montanhas gigantes.
É aí que, ululando, os homens como as feras
refugiar-se vão em trágicos cardumes,
O mar sobe, o mar cresce. e os homens e as panteras,
crianças e reptis caminham para os cumes.
Os fortes, sem haver piedade que os sujeite,
arremessam ao chão pobres velhos cansados.
e as mães largam. cruéis, os filhinhos de leite,
que os que seguem depois pisam, alucinados.
Um sinistro pavor; crescente e sufocante,
desnorteia, asfixia a turba pertinaz:
ouvem-se urros de dor, e os que vão adiante
lançam pedras brutais aos que ficam pra trás.
Raivoso, o touro estripa os míseros humanos
que o estorvam, ao correr em fuga desnorteada,
e pelo ar tenebroso as águias e os milhanos
fogem, com vivo horror, daquela estropeada.
Cresce a treva infernal nos cavos horizontes;
o oceano sobe e muge em raivas cavernosas,
e as ondas, a trepar pelos visos dos montes,
fazem de cada vez cem vítimas chorosas!
Os negros vagalhões, nos bosques mais cimeiros.
silvam e marram já, em golpes iracundos;
resplendem raios mil em rútilos chuveiros,
e os corvos, a grasnar, desolham moribundos.
Blasfémias, maldições elevam-se à porfia;
fustigado plo raio, aumenta o furacão;
cada ruga do mar acusa uma agonia,
cada bolha, ao estalar, solta uma imprecação.
Cresce n mar, sobe o mar... e traga, rudemente.
da m ais alta montanha o píncaro nevado.
e um tremendo trovão aplaude a vaga arlente,
que envolve, ao despenhar-se, o último condenado.
Cresce o mar, sobe o mar, que já topeta os céus:
e, levada plo fero e desabrido norte,
sua espuma, a ferver, molha o rosto de Deus,
que lhe encontra um sabor nauseabundo de morte...
Cresce o mar, sobe o mar... Cada vaga é uma torre!
No céu, o próprio Deus melancólico pasma...
E, pelos vagalhões acastelados, corre
a Arca de Noé, qual navio-fantasma...
Saudades do Céu
No centenário da publicação de Oaristos
de Eugénio de Castro
Em 1890, ano da morte de Camilo Castelo Branco, iniciava-se uma nova fase da nossa literatura, aquela que iria dar origem no século XX ao modernismo e ao surrealismo portugueses. 1890 é a data oficial da entrada em Portugal do simbolismo, representada pela publicação do livro de poemas Oaristos de Eugénio de Castro.
No prólogo, o autor diz que «este livro é o primeiro que em Portugal aparece defendendo a liberdade do Ritmo contra os dogmáticos e estultos decretos dos velhos prosadistas».
Eugénio de Castro não pensara adoptar os princípios filosóficos dos simbolistas franceses, naquela época fonte de imitação, nem desejou modelar-se pelo espírito da décadence. Mas antes quis aproveitar o seu aspecto expressivo, pela novidade do estilo e dos temas. O seu livro é uma tomada de posição contra os lugares-comuns que caracterizavam a poesia portuguesa, as rimas habituais, o vocabulário pobre. E propõe uma «nova maneira».
Essa nova maneira, desfavorável ao excesso ultra-romântico e parnasiano, encontra-a Eugénio de Castro no simbolismo. Este apela para o vago, o misterioso, o ímpar, aquilo que não tem possibilidade de ser transformado numa perfeita jóia lapidada. Nada do velho culto romântico da natureza, do idealismo amoroso, nada de emotividades exaltadas e ocas, desprezo pela postura e linguagem solenes.
Diz Eugénio de Castro que «o vocabulário dos Oaristos é escolhido e variado. Emprega vocábulos raros porque às perífrases prefere «o termo preciso», porque pensa «como Baudelaire, que as palavras, independentemente da ideia que representam, têm a sua beleza própria».
Numa carta a Pinheiro Chagas, Eugénio de Castro diz a propósito de Oaristos: «livro de revolta, feito com alma ardente e mocidade viva, pendão vermelho de combate contra a sensaboria, contra a chateza da poesia do meu tempo. (...) Livro novo, diferente de todos os livros, abrindo um caminho, achando uma solução, dizendo coisas novas por processos novos».
Aparte a verdade destas palavras, algumas inovações poéticas reivindicadas por si já se encontravam nos poemas de Cesário Verde, falecido quatro anos antes da saída de Oaristos. Aliás Fernando Pessoa tomará como seu percursor não Eugénio, mas Cesário, o que, até certo ponto, seria de estranhar.
Ao prólogo de Oaristos falta a segunda intenção do simbolismo. Ensina a fazer versos, dá directrizes, mas apenas a nível formal. Os temas das poesias do livro desenvolvem-se através da sugestão do espaço real ou fictício que é dado pela musicalidade das palavras. No poema «Sonho» as palavras criam uma atmosfera sensual, as complexidades do real estão harmonizadas numa síntese superior. Mas o fundamento filosófico, a linha-guia do pensamento, estão simplesmente ausentes. Nota-se uma exacerbação das imagens, da sonoridade, em detrimento de uma ideia, do tema em si.
De uma experiência revolucionária em Oaristos, Eugénio de Castro evoluiria mais tarde para um neoclassicismo de tipo barroco. Porquê? – perguntamos. A resposta é-nos dada pelo crítico João Mendes: «o temperamento sensorial de Eugénio de Castro, amante das claridades soalheiras da beleza, chamou-o para fora, distraiu-o da grande tormenta humana que ressoava no coração humanístico dos poetas. Alma helénica, harmoniosa, a época em que melhor se enquadra teria sido o Renascimento».
Eugénio de Castro, considerado pela crítica em geral um poeta modesto, teve um contributo evidente para a renovação da literatura em Portugal, aproximando-a das modernas concepções europeias. Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa não seriam o que foram sem a contribuição deste poeta.
SIMBOLISMO PORTUGUÊS — MODERNISMO ESPANHOL
Aproximações preliminares
António Apolinário Lourenço
De um modo geral, a crítica tem reconhecido como grandes contributos do Simbolismo para a renovação da literatura o progressivo afastamento da linguagem literária relativamente ao mundo empírico e a destruição da confiança na unidade psíquica do sujeito. George Steiner, para citar um exemplo concreto, entende que a acção conjugada de Mallarmé e Rimbaud constitui uma das maiores revoluções culturais da história do Ocidente: o primeiro aboliu o pacto de referência próprio do modelo linguístico hebraico-helénico-cartesiano, que assentava na aceitação da coerência da palavra (significado) com o mundo (referência externa); Rimbaud ("Je est un autre"), trilhando vias paralelas às da psicologia da mesma época, destruiu, na literatura, o mito do sujeito unitário. Liberta da opressiva submissão ao significado, a palavra ganha uma liberdade nunca antes admitida, podendo explorar potencialidades musicais e semânticas (correspondências, sinestesias…) até então desconhecidas. Está aberto o caminho que permitirá, posteriormente, a reivindicação de um estatuto demiúrgico para o escritor. Como dirá Huidobro: "O poeta é um pequeno Deus".
No entanto, e como seria de esperar, ao romper com um paradigma estético relativamente consolidado, os novos poetas tiveram de enfrentar desconfianças e oposições. Alguns críticos, coevos ou posteriores, quiseram ver no esteticismo finissecular — do qual o Simbolismo é a expressão mais coerente — uma ameaça à personalidade humana e aos próprios alicerces da nossa sociedade. Para João Mendes, que foi, para além de professor e crítico literário, sacerdote católico, a ausência de referencialidade da palavra poética, o mergulho desregrado no desconhecido e o anseio desmesurado da totalidade podem destruir o artista e o homem. Salva do anátema o poeta e dramaturgo Paul Claudel, reconhecendo que outros escritores "simplesmente aceitam da escola certos recursos de superfície, que levam ao desenvolvimento de recursos musicais e a certa nebulosidade na visão metafórica do Universo" (Mendes, 1983: 130). Mas não nos iludamos: "Quando se admitem explicitamente as raízes filosóficas da escola e se é coerente com elas, então entrou-se pelo caminho da desagregação tanto moral como artística" (Ibidem).
Se lermos o que escreveram os protagonistas da renovação literária em Portugal e Espanha, apercebemo-nos do grande desfasamento que existia na época entre estes escritores e a sociedade envolvente. Eugénio de Castro, que no prefácio a Oaristos (1890) assumira a ruptura com a tradição literária portuguesa ("Com duas ou três luminosas excepções, a Poesia Portuguesa contemporânea assenta sobre algumas dezenas de coçados e esmaiados lugares comuns) (in Martins, 1990: 175), refere no prefácio a Horas (1891) que "concebeu [a obra] longe dos bárbaros, cujos inscientes apupos, — al não é de esperar, — não lograrão desviá-lo do seu nobre e altivo desdém de nefelibata" (Ibidem: 181). Nefelibatas, termo avançado pela nova geração para designar o seu desprendimento do real, ganharia de imediato fortes conotações pejorativas, ao ser utilizado na imprensa para achincalhar os jovens poetas.
Em Espanha, numa época um pouco posterior (porque a reacção contra a subsistência da lírica neo-romântica e do realismo se dá com uma década de atraso), os jovens poetas inovadores e afrancesados são acusados de modernismo, vocábulo utilizado por Rubén Darío para denominar a nova literatura, mas que em Espanha é esgrimido pelos adversários dos renovadores. Manuel Machado publicou em 1913 La guerra literaria, onde narra a aventura dos novos escritores e recorda as fortes resistências encontradas na sociedade espanhola do início do século: "Apenas parecieron los primeros innovadores, la indiferencia general se convertió en unánime zumba atronadora. La palavra modernismo, que hoy denomina vagamente la última etapa de nuestra literatura, era entonces un dicterio complejo de toda clase de desprecios. Y no era lo peor esta enemiga natural del vulgo, contrario siempre a toda novedad. A las buenas gentes se les desquiciaba su tinglado mental y se les complicaba cruelmente su saneado par de ideícas con que tan bien hallados estaban. Aullaron, pues, buenamente, como los perros a la luna, y prorrumpieron en ineptas risotas durante algun tiempo, y aceptaron al cabo, sin más reflexión y por instinto, en cuanto ya estuvieron un poco fanés, las vitandas novedades" (Machado, 1981: 104-105). Nos escritores consagrados e nos críticos, reprova Manuel Machado um comportamento idêntico ao dos leitores menos esclarecidos: "Secundaron la zumba y la chacota y tronaron desde púlpitos más o menos altos contra el abominable modernismo" (Ibidem, 105).
Uma leitura comparativa da produção literária na Península Ibérica no final do século XIX e no início do actual começa por enfrentar este problema da diferenciação terminológica nos dois países que a compõem. E se o estudo pretender também abranger o espaço linguístico catalão as coisas poderão ser ainda mais complicadas.
Em Portugal, a crítica designa por corrente simbolista o movimento estético que começa por ser conscientemente divulgado em duas revistas coimbrãs de curta duração (Bohemia Nova e Os Insubmissos, ambas de 1889), as quais tinham como precedente as crónicas que Xavier de Carvalho n’A Província. Esta corrente teve em Oaristos, de Eugénio de Castro (publicado, como vimos, em 1890), a primeira concretização em livro. Do mesmo ano, é Azul, de António de Oliveira-Soares, menos marcado pelo exotismo sensualista, e menos provocatório nas opções ritmícas, lexicais e estilísticas, mas inequivocamente iluminado por um toque decadente. Nos anos imediatos, tanto Eugénio de Castro como vários outros redactores das revistas referidas publicaram novos livros (entre os quais, em 1892, o Só, de António Nobre, que pertencera à redacção de Bohemia Nova), demonstrando à opinião pública e à estupefacta crítica jornalística que os "nefelibatas" tinham muito mais a dizer do que os seus adversários previam. É certo que os simbolistas portugueses nunca foram um grupo homogéneo e que bem depressa alguns desses escritores abandonariam o "internacionalismo" simbolista e se converteriam ao nacionalismo neogarrettista; é verdade também que alguns dos poetas fundamentais do Simbolismo português se revelariam tardiamente — pelo menos em livro — e desligados do núcleo fundador (Camilo Pessanha, Ângelo de Lima, mesmo Mário de Sá-Carneiro); mas isso não afecta a filiação simbolista desses autores.
A questão é um pouco mais complexa em Espanha. Para além do conteúdo semântico pejorativo que rapidamente adquire, o vocábulo modernismo é demasiado impreciso, havendo muita ambiguidade na sua utilização pela crítica literária, tanto a espanhola como a doutros países. Senão vejamos: enquanto Peter Bürger (na sua Teoria da Vanguarda) se serve dele para designar o curto período compreendido entre o Simbolismo e a Vanguarda, Malcolm Bradbury e James McFarlane (Modernism: 1890-1930, na Penguin) consideram modernista todo o período literário que vai do finais do século XIX ao início do segundo terço do século XX, nele incluindo consequentemente o Simbolismo e a Vanguarda. A generalidade da crítica, no entanto, analisa separadamente estes movimentos (a corrente simbolista foi um dos alvos privilegiados a iconoclastia futurista), mas tende a confundir Modernismo e Vanguarda, expressões muitas vezes consideradas sinónimas. Em Portugal, o termo modernista é usado para designar a geração nascida em torno da revista Orpheu, não podendo por isso ser exclusivamente assimilada às chamadas correntes de Vanguarda que, na literatura, têm como antecedente imediato o Futurismo: é que no Orpheu ainda pouco se sente a influência directa do Futurismo de Marinetti (que posteriormente foi importante no país), mas é forte — sob a forma paúlica — a influência simbolista-decadentista.
Isto ajudará certamente a explicar a dificuldade que ainda hoje subsiste em Espanha para caracterizar de modo conclusivo e irrefutável o que se entende, na sua literatura, por Modernismo. O facto de o Modernismo hispânico não coincidir em absoluto com o paradigma simbolista não permite deduzir que sejam escolas poéticas diversas. Na realidade, tanto os escritores portugueses assumidamente simbolistas como os modernistas espanhóis conciliam a influência simbolista-decadentista com a parnasiana. Simbolismo e Decadentismo chegaram a ser, em França, escolas poéticas concorrentes, mas é evidente a sua origem comum, e sempre foram popularmente confundidas: Eugénio de Castro, no prefácio de Oaristos, revela a sua simpatia pelo estilo decadente, e só no prefácio de Horas se referirá explicitamente ao Símbolo. Do Parnasianismo provinha a reivindicação de uma arte não utilitária e socialmente não subserviente. Para os novos poetas peninsulares, que partiam de uma situação de estagnação e relativo isolacionismo cultural, Leconte de Lisle e Théophile Gautier eram sentidos como tão modernos como Rimbaud, Verlaine — que seria, afinal, o principal inspirador dos simbolistas peninsulares — ou Mallarmé. Além disso, e este é outro aspecto que aproxima as experiências poéticas de portugueses e espanhóis, em nenhum dos países peninsulares se captou de imediato a essência da revolução simbolista, o que permite explicar que a pose decadentista de Mário de Sá-Carneiro e a liberdade semântica de muita da poesia publicada na revista Orpheu, em 1915, possam ter originado um escândalo com a dimensão que se conhece ("artistas de Rilhafoles", "literatura de manicómio", etc.), assim como o relativo atraso com que se debateu em Espanha a questão da "poesia pura".
Na realidade, o escândalo causado por Oaristos derivava muito mais das inovações rítmicas e lexicais do que de opções verdadeiramente simbolistas. Eugénio de Castro e os outros poetas que publicam livros de poesia integrada na nova corrente estética durante a última década do século XIX estão longe de manejar com destreza a linguagem simbólica, com o recurso ao que T. S. Eliot chamou o "correlativo objectivo" e à afirmação do primazia da sugestão sobre a denotação. O seu esteticismo, ou seja, a valorização do significante, traduz-se principalmente no uso sistemático da aliteração, no recurso ao versilibrismo (que influenciará decididamente a poesia modernista hispânica) e em vários outros procedimentos estilísticos que é possível rastrear no próprio prefácio de Oaristos: combate ao lugar comum e à vulgaridade; rejeição dos dogmas dos velhos preceptistas, introduzindo novos ritmos (nomeadamente os resultantes da alteração da regras de cesura do alexandrino e da adaptação do rondel, de proveniência francesa); emprego de rimas raras e variadas; uso de um vocabulário seleccionado em função da beleza intrínseca do significante.
Octavio Paz, no seu magistral estudo sobre a poesia moderna, Los hijos del limo, insistiu, entre muitos outros aspectos, em duas questões essenciais: o Modernismo hispano-americano equivale ao Parnasianismo e ao Simbolismo francês, nada tendo a ver com o modernism anglo-americano (ou seja, a Vanguarda), e acaba por ser, tanto na América Latina como em Espanha, o verdadeiro e tardio Romantismo. Por razões históricas e culturais, os países hispânicos não tinham conhecido um Iluminismo pleno no século XVIII; não podiam também ter conhecido um Romantismo autêntico, dado o carácter de insurreição anti-racionalista do movimento romântico. O novo Romantismo, metáfora do outro (isto é, o alemão e o inglês, essencialmente), surgia como reacção ao Positivismo, corrente de pensamento com larga aceitação entre as classes sociais dominantes e as elites culturais da América Latina, chegando a ser a doutrina oficiosa de alguns importantes estados americanos (México e Brasil). Obviamente, o Prémio Nobel mexicano não pode aceitar as acusações de futilidade e vazio de ideias que, a começar em Unamuno, foram feitas em Espanha ao Modernismo, e muito menos o nacionalismo cego dos críticos que, como Pedro Salinas, gritaram que em Espanha o Modernismo se limitou a ser uma moda passageira e estéril que os poetas espanhóis logo sacudiram. Para chegar a esta conclusão, Salinas (curiosamente um dos poetas de 27 que mais deve à Vanguarda europeia) teve nitidamente de descontextualizar o Modernismo, esquecendo o que ele tem de adaptação à língua espanhola das prospecções encetadas nas literaturas europeias. A influência do Simbolismo e do Parnasianismo europeu chegou a Espanha, em primeira instância, através da poesia de Rubén Darío e de outros modernistas latino-americanos (mas já veremos que há também um contributo português). E se em alguns poetas a influência directa dos modelos franceses pode ter desde o início suplantado a rubendarista (Antonio Machado, provavelmente), outros poetas foram modernistas antes de terem lido os autores franceses que posteriormente os influenciariam: é o caso paradigmático de Juan Ramón Jiménez. Autonomamente (sem merecer sequer referência no livro clássico de Max Henríquez Ureña sobre o modernismo hispânico: Breve historia del Modernismo) se organizará na década de 90 o Modernismo literário catalão, em torno a revistas como L’Avenç e Catalònia, e não menosprezando — para a divulgação dos novos escritores — o aproveitamento das páginas literárias dos principais diários barceloneses. O poeta mais representativo do movimento, Joan Maragall, publicaria em 1995 a sua primeira colectânea poética, Poesies. Joventud, uma revista publicada entre 1900 e 1906, assinalará a maturidade do Modernismo catalão.
Mas, como se sabe, o grande debate que dividiu ao longo de décadas a crítica espanhola diz respeito, mais concretamente, à distinção entre Modernismo e Geração de 98. Jiménez e, na mesma linha, Ricardo Gullón sempre entenderam o Modernismo como uma tendência epocal em sentido lato e por isso não viam necessidade em separá-lo da Geração de 98; mas já o referido Pedro Salinas ou Guillermo Díaz-Plaja estabeleceram uma rigorosa distinção entre os dois conceitos: Salinas contrapondo o esteticismo e o sincretismo modernistas à profundidade analítica e regeneradora dos autores de 98; Díaz-Plaja baseando-se na distinção das linguagens estéticas modernista e noventa-e-oitista.
Estamos, porém, perante realidades dificilmente confrontáveis. O próprio Pedro Salinas, no artigo que consagra a defender a existência de uma geração de 98 — para o que recorre ao consagrado esquema de Petersen — quando tem de se confrontar com necessidade de uma linguagem geracional, declara que essa linguagem é o Modernismo. Na verdade, é só em 1913, quando o debate estético está a mudar de cambiantes e a coesão do núcleo duro da hipotética geração já não existe, que Azorín põe na mesa os argumentos favoráveis à existência de tal geração. Coetaneamente, o epíteto de modernista era aplicado à generalidade dos renovadores literários, incluindo aqueles que inequivocamente se integram nas hostes noventa-e-oitistas. Entre os críticos partidários da separação, discute-se o lugar ocupado por Valle-Inclán ou Antonio Machado, sendo evidente o carácter modernista de um livro como Soledades e não menos óbvio o esteticismo, o satanismo, a pose decadentista e a exploração das potencialidades musicais na prosa das Sonatas de don Ramón. Os outros prosadores de 98 (Azorín, Baroja, Unamuno, Maeztu) não foram certamente tão influenciados por Rubén Darío), mas não deixam de comungar muitas das preocupações e orientações dos seus contemporâneos modernistas. Há entre todos estes autores relações literárias e pessoais muito íntimas, colaboraram genericamente nas mesmas publicações (alguns exemplos: Revista Nueva, 1899; Electra, 1901; Juventud, 1901-1902; Helios, 1903-1904; Alma Española, 1903-1904), beneficiaram de influências comuns (o Simbolismo-Decadentismo francês; os filósofos pessimistas e pré-existencialistas do fim de século: Nietzsche, Schopenhauer, Kierkegaard; os autores espanhóis mais genuinamente românticos: Larra e Bécquer, nomeadamente) e elegeram os mesmos adversários estéticos (a oratória pomposa dos últimos poetas neo-românticos, e o Realismo-Naturalismo então dominante). Nestes autores, podemos também encontrar, pelo menos em fase embrionária, fenómenos como a fragmentação do sujeito ou a reivindicação de uma arte não mimética. A abulia, que afecta o sujeito lírico de muitos dos poemas dos livros iniciais de Manuel e Antonio Machado (Alma e Soledades), domina também os comportamentos dos heróis dos livros de Azorín (La voluntad) e Baroja (Camino de perfección) publicados em 1902. Estes romances são do mesmo ano de Amor y pedagogía, de Unamuno, um romance pouco convencional, devido à forte presença de uma vertente ensaística e filosófica, e da primeira das Sonatas de Valle-Inclán: a Sonata de Otoño. Note-se que Azorín começou por ser o protagonista dos primeiros romances de José Martínez Ruiz, e acabou como pseudónimo do autor; mas a modernidade de Azorín, um narrador com alto sentido de antecipação estética, vai bastante mais longe, chegando o levantino a pôr em causas algumas das componentes canónicas do romance clássico, através da manipulação que faz do tempo cronológico, da redução da intriga ao nível da mera subsistência e do apagamento do protagonismo das suas personagens romanescas. Unamuno inaugurará com Niebla (1914) um novo ciclo romanesco dentro da sua obra, que o próprio designará por "nivola". Mantendo o equilíbrio entre a narrativa e o ensaísmo, e acentuando a subjectividade e o perspectivismo narrativo, o romance terá também um prologuista apócrifo (Víctor Goti, uma personagem secundária do livro) e haverá no final uma interpelação da personagem principal ao autor: Augusto Pérez discute com Unamuno a conclusão da história, não querendo aceitar a morte que o escritor lhe impõe.
É evidente que os caminhos seguidos são diferentes na poesia e na prosa. Aceitamos também que os autores evoluem para posições menos radicais e menos provocatórias. Mas isso tem essencialmente a ver com um processo de maturação dos próprios autores, quase todos eles passando por uma fase de modernismo combatente. O próprio Unamuno, rejeitando embora os excessos da linguagem poética rubendarista, participa claramente no movimento de renovação estética. Quanto ao famoso castelhanismo noventa-e-oitista, não é suficiente para impedir Juan Ramón Jiménez de falar na filiação portuguesa de Unamuno e Machado, que considera poetas hispano-portugueses (Cf. Gullón, 1958: 91-92). O autor de Platero y yo insiste principalmente no lusitanismo de Machado: "En Machado hay algo de callejón sin salida, algo como de un borracho que habla de metafísica, y a mí eso me parece muy portugués" (Ibidem: 92).
Unamuno foi, na verdade um bom conhecedor da literatura portuguesa e de Portugal, país que visitou repetidas vezes, e pelo qual manteve uma paixão que não está isenta de sentido crítico. O mesmo não sucede com Antonio Machado, em cuja obra são pouco visíveis as referências a Portugal. Não é sequer verdade que seja neto de portugueses, como Juan Ramón declarou a Ricardo Gullón: as raízes portuguesas da família Machado são bastante mais antigas, remontando ao Século XVII, quando o Marquês de Montebelo, Félix Machado de Silva (cf. Barco, 1990: 162), recusou aceitar a nova ordem peninsular criada pela restauração da independência portuguesa, preferindo manter-se fiel a Filipe IV.
Mas a presença da literatura portuguesa em Espanha (e nos países de língua castelhana), nesta época, está longe de se circunscrever à hipotética "filiação portuguesa" destes dois autores. Eça de Queirós, Antero e Guerra Junqueiro foram lidos e admirados nestes países. Mas interessa-nos particularmente Eugénio de Castro, que foi largamente conhecido, apreciado e traduzido pelos modernistas hispânicos. Textos da sua autoria aparecem já na revista La Vida Literaria, de Madrid (1899), uma publicação que poderemos considerar pré-modernista, e há livros seus traduzidos para espanhol (Argentina, Espanha, México e Colômbia) desde 1897. Um dos grandes poetas modernistas argentinos, Leopoldo Lugones, assina o prefácio da primeira dessas traduções: Belkiss, que sai em Buenos Aires exactamente em 1897. Unamuno, por seu lado, será o autor do prefácio da versão espanhola de Constança, publicada em 1913.
Um outro importante escritor latino-americano que acolheu com entusiasmo a obra de Eugénio de Castro foi o poeta colombiano Guillermo Valencia, considerado um dos grandes parnasianos da língua espanhola. A sua homenagem ao poeta português consistiu na tradução de seis poemas, que integrou em Ritos (Londres,1914), um livro que na altura reunia toda a produção em verso do autor. Muito mais importante é a influência que o autor de Oaristos exerceu sobre Rubén Darío. Com este mediador, as inovações estéticas introduzidas em Portugal pelo autor de Oaristos ecoaram por toda a extensão territorial da língua espanhola. Ao organizar o seu volume ensaístico, intitulado Los raros (título que já poderá remeter para o prefácio que o português escreveu em 1891 para Horas, a sua "silva esotérica para os raros apenas"), Darío incluiu nele uma conferência que proferira sobre Eugénio de Castro e a literatura portuguesa. Los raros, note-se, é um livro de 1896 e nele se evocam, como seria de esperar, aqueles escritores a que o autor de Azul reconhece mestria no domínio da estética moderna: Eugénio de Castro surge, assim, acompanhado de Edgar Allan Poe, Leconte de Lisle, Paul Verlaine, Jean Moréas, Lautréamont, Ibsen ou José Martí. Rubén Darío declina em Eugénio de Castro a honra de ter sido o primeiro representante de "la raza ibérica, en el movimiento intelectual contemporáneo, que ha dado al arte espacios nuevos, fuerzas nuevas y nuevas glorias" (Darío, 1950, I: 493-494). O texto é extremamente lisonjeiro para Portugal, um país de que o autor conhece a geografia, história e a literatura: "nosotros, latinos, hispanoamericanos, debemos mirar con orgullo las manifestaciones vitales de ese pueblo y sentir como propias las victorias que consigue en honor de nuestra raza" (Ibidem, 495). Há no artigo referências a, entre outros escritores, Camões, Eça, Garrett, Herculano e Teófilo Braga. João de Deus é tratado com certo destaque, e as páginas finais são destinas à apreciação da obra de Eugénio de Castro. Também na Autobiografia (1912) de Darío há referências ocasionais ao "soñador lusitano Eugénio de Castro" (Darío, 1990: 91), e em Letras (Paris, 1911) uma recensão do livro de poesia A cinza dos Mirtos, de Alberto Osório de Castro.
Mas a influência de Eugénio de Castro na poesia hispano-americana pode principalmente medir-se pelas palavras de Max Henríquez Ureña: "Hubo otro autor europeo que alcanzó inusitado auge en el grupo modernista de Buenos Aires, de donde su nombre se extendió a toda América: el poeta portugués Eugenio de Castro, que en su libro Horas (1891) entra de lleno en el versolibrismo. Darío analizó cumplidamente las audacias métricas de Eugenio de Castro en una conferencia que pronunció (1896) en el Ateneo de Buenos Aires e incluyó después en Los raros. El entusiasmo de los cenáculos literarios subió de punto. […] Con la influencia deEugenio de Castro se inicia el metrolibrismo en los poetas de la América española, empezando por Ricardo Jaimes Freyre. En la América encontraron eco, además, la flexibilidade y la música de sus ritmos. Sin que pueda señalarse en ello un propósito deliberado de imitación (a Castro no se le imitaba, aunque se seguían sus orientaciones en punto de forma), hay versos de Darío que tienen el mismo sentido musical que hay en otros del poeta portugués" (Henríquez Ureña, 1978: 100-101). Repetindo o autor de Breve Historia del Modernismo, Antonio Fernández Molina assinala, na sua introdução à Antología de la poesía modernista, a influência de Castro em Darío: "Los dodecasílabos de ‘Era un aire suave’ están inspirados en el poeta portugués Eugenio Castro [sic]. García Morejón, por sua vez, regista que "Castro llegó a influir sobre el mismo Darío a través de las Horas" (García Morejón, 1871: 398). Trabalho paralelo a Los raros, de Rubén Darío, é o do uruguaio Víctor Pérez Petit, que em Los modernistas (1902) inclui também uma evocação de Eugénio de Castro. Para entender a irradiação para todo o espaço linguístico castelhano do nome e da obra do escritor conimbricense, há também que ter em conta que Buenos Aires (onde se encontraram, entre outros, o nicaraguense Darío, o argentino Lugones e o boliviano Jaimes Freyre) era em 1896/97 a verdadeira capital do Modernismo hispânico.
Em Espanha a influência directa de Eugénio de Castro foi sobretudo muito intensa em Francisco Villaespesa, um dos pioneiros (com Jiménez e os irmãos Machado) do Modernismo no país. Villaespesa, que também traduziu e até representou Júlio Dantas e outros autores portugueses e brasileiros, divulgou a poesia de Eugénio de Castro na revista que dirigiu em 1907 (Literatura Latina), e assinou as traduções em livro de Salomé y otros poemas (1914) e La sombra del cuadrante (1916), para além de ter adaptado El Rey Galaor (1913). Visitou Portugal e escreveu, com base nas suas impressões, alguns poemas de temática portuguesa, tendo inclusivamente deixado inédito um livro de poesia, quase inteiramente inspirado em motivos portugueses, intitulado La Quinta de las Lágrimas. Curiosamente também Juan Ramón Jiménez reconheceu estar "relacionado con los portugueses" e ter conhecido pessoalmente Trindade Coelho, João de Barros e Teixeira de Pascoais (cf. Gullón, 1958: 71).
Miguel de Unamuno, que na literatura espanhola tinha condenado o mesmo barroquismo verbal que Castro adoptara nos seus primeiros livros simbolistas, e chegara a escrever palavras poucos simpáticas sobre o autor de Belkiss, declarando não compreender a razão pela qual este livro era tão prezado na América Latina, acabou por se tornar num grande admirador e amigo do poeta de Coimbra. O peso do seu prestígio intelectual, a juntar ao de Darío e do catalão Eugenio d’Ors, acabou igualmente por beneficiar decididamente a divulgação em Espanha da obra poética do português. Por tierras de Portugal y España abre com um ensaio sobre o autor de Constança (o livro de Castro que Unamuno mais apreciou). Não admira, portanto, que, no seu livro intitulado Unamuno y Portugal, Julio García Morejón possa escrever que, depois de Camões, Castro foi "el único poeta portugués verdaderamente popular en España" (García Morejón, 1971: 398). Isto continuava a ser verdade em 1971, data da 2.ª edição do ensaio, e por isso anterior ao boom pessoano das últimas duas décadas. A coroar toda esta veneração, um grupo de grandes figuras literárias de Espanha (Américo Castro, Jacinto Benavente, Eugenio d’Ors, Ramón Pérez de Ayala e Enrique Díez-Canedo, entre outros) organizou em 1922 um banquete de homenagem ao poeta português.
Refira-se, em abono da verdade, que Eugénio de Castro retribuiu o amor que a Espanha intelectual lhe devotou, integrando na sua obra um vasto número de motivos espanhóis. A sua paixão por Espanha data pelo menos de 1889, ano em que visitou pela primeira vez Salamanca. Uma viagem que recordaria muitos anos depois: "Cerca das dez horas da noite, o comboio parou em Salamanca. Galgando por cima de toda a folha, despenhando-me e saindo de sucessivos barrancos que deveriam ter a profundidade de cisternas, um pesado coche conduziu-me ao Hotel do Comércio, de onde pouco depois saí, já lavado e vestido de fresco. Achei-me na Calle de Zamora, ao topo da qual resplandecia um arco por onde passavam e repassavam cruzando-se e vozeando centenas e centenas de pessoas. Para lá me dirigi, indo dar comigo na Plaza Mayor, a mais bela de muitas que em Espanha tenho visto. Rodeada de amplos edifícios do século XVIII, abundantemente iluminada a luz eléctrica, lindamente ajardinada e arborizada no centro, alegremente animada pela multidão inquieta e loquaz que pejava as suas galerias inferiores, essa praça, com o seu alegre movimento e com a sua grandeza, totalmente me atordoou, a mim que ainda na véspera tinha dormido na discreta, melancólica e pacatíssima Coimbra (Viagem a Salamanca, Lisboa, Parceria A, M. Pereira, 1969).
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